segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Seda

Casulos de Seda

 Tecidos de Seda

Hoje, estava eu na Internet, quando soube das filmagens de "Corações Sujos", baseado no livro de mesmo nome, de autoria de Fernando Morais. Aliás, recomendo a leitura deste livro, que conta uma passagem triste da história da imigração japonesa no Brasil: o extremismo da "Shindo Renmei", durante e após a 2ª Guerra Mundial.
Ao mesmo tempo, veio à minha mente uma história da família Yoshinaga, que reporto a seguir.
Kyugo Yoshinaga e família já estavam estabelecidos na zona rural de Presidente Venceslau, quando ele teve a idéia de produzir seda no Brasil, algo inexistente no país na época. Ele, então, plantou amoreiras em seu sítio e construiu os galpões para o cultivo do bicho da seda. Meu pai, Hirose Yoshinaga, contava que todos os filhos o ajudavam nessa empreitada, ora levando as folhas de amoreira para a alimentação das lagartas, ora cuidando dos casulos de seda e por fim, retirando os fios de seda para posterior processamento.
Mas o que tem a ver o livro "Corações Sujos" com essa história ?
Naquela época, em plena 2ª Guerra Mundial, a seda tinha uso militar, e por isso alguns imigrantes japoneses mais nacionalistas e radicais criticavam os outros imigrantes que produziam seda e hortelã, pois eles estariam ajudando os aliados ocidentais na luta contra o Japão. A seda era utilizada na fabricação de paraquedas e a hortelã era utilizada para o resfriamento dos motores de veículos militares. Muitos imigrantes japoneses, que insistiam em produzir seda e hortelã foram chamados de traidores por esses outros imigrantes mais radicais.
Kyugo Yoshinaga também sofreu uma pressão muito grande para abandonar o cultivo de bichos da seda, mas não deu ouvidos aos radicais e continuou sua empreitada. Essa atitude mostra um pouco da personalidade de meu avô. Pouco lhe importava a política, ideologia, religião ou nacionalismo. Ele estava no Brasil para vencer e ficar rico, já tinha fincado raizes aqui e não pretendia mais voltar ao Japão.
Por sorte, os imigrantes japoneses mais radicais não estavam na região de Presidente Venceslau e sim, na região de Marília, onde a situação era mais crítica.
Ele resistiu às pressões e continuou produzindo os fios de seda e só abandonou, mais tarde, esse cultivo, pois não estava lhe dando o lucro esperado. Resolveu partir para outra atividade que lhe desse mais dinheiro.
Esse era meu avô. Não tinha o nacionalismo exacerbado de outros imigrantes japoneses, era apolítico e ateu convicto. Era perseverante e tinha uma sensibilidade extraordinária no cultivo de flores, e na sua velhice, transformou o quintal de sua casa, na cidade de São Paulo, num grande viveiro de orquídeas e "bonsais" que ele mesmo produzia.
A questão da Fé em sua vida merece um capítulo todo especial, pois no fim de sua vida terrena, já doente, ele percebeu o quanto esse sentimento lhe fez falta e o quanto sofreu por ser ateu e não acreditar numa Força Maior, ou seja Deus.
Pretendo, em outros textos, desenvolver mais este assunto: a relação entre a família Yoshinaga e a Fé. Vou tentar demonstrar que o resgate da Fé é a mola principal que move a vida de nossa família, e que desde meu avô Kyugo existe uma forte ligação entre o "Alto" e nós, descendentes dele.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Trajetória de Kyugo Yoshinaga pelo Brasil

 

Este mapa mostra todo o caminho percorrido por Kyugo Yoshinaga no Brasil:
1) SANTOS - No dia 15 de maio de 1913, o navio Wakasa Maru, proveniente do Porto de Kobe, no Japão, aporta em Santos e Kyugo Yoshinaga desembarca no Brasil, com 14 anos de idade, acompanhado por seu tio Fusataro Fuchigami, então com 34 anos, sua tia Mikano Fuchigami (34 anos) e a filha do casal Michine Fuchigami, com 2 anos de idade. Como todos os imigrantes da época, eles tomam o trem rumo ao planalto e desembarcam na Hospedaria dos Imigrantes, no bairro do Brás, na cidade de São Paulo. Logo são encaminhados para o interior do Estado, para trabalhar nas lavouras de café. A passagem deles por Santos e São Paulo foi muito rápida, e mais de 30 anos se passariam até que Kyugo se estabelecesse na cidade de São Paulo.

Navio Wakasa Maru

Hospedaria dos Imigrantes - Brás - São Paulo

2) GUATAPARÁ - Kyugo é encaminhado para a Fazenda Guatapará, atual cidade de Guatapará, na região de Ribeirão Preto.  Terminado este período de trabalho na plantação de café, Kyugo vagueia pelo Estado de São Paulo, trabalhando em construção de ferrovias e outras obras, até encontrar a família Imai. Junto da família Imai, ele se desloca até o vale do Ribeira, onde o Governo do Estado distribuía lotes de terras.
Estação de trem da Fazenda Guatapará

3) ELDORADO - Kyugo Yoshinaga e a família Imai, da qual ele já fazia parte, pois havia se casado com Aiko Imai, se estabeleceram próximo a atual cidade de Eldorado, antiga Xiririca e passaram a plantar cana de açúcar. Um dos irmãos Imai construiu um alambique e passou a fabricar cachaça, ganhando muito dinheiro com essa empreitada. Nesta cidade, nasceu a primeira filha de Kyugo e Aiko Yoshinaga, Ayako, que foi registrada com o nome de Nair Yoshinaga.

Atual cidade de Eldorado - SP

4) ÁLVARES MACHADO - No final da década de 20 do século 20, uma nova fronteira agrícola se abria no Estado de São Paulo: o extremo oeste. Ainda coberto pela mata virgem original, muitos imigrantes se dirigiram para lá e passaram a desmatar as terras para a agricultura. Tiveram que enfrentar mata cerrada e muitos animais selvagens, como porcos do mato, onças, cobras, etc... A passagem de Kyugo e Aiko por Álvares Machado foi muito rápida, mas o suficiente para o nascimento da segunda filha do casal, Shizuko. Logo, eles iriam mais para oeste.

5) PRESIDENTE VENCESLAU - Nesta cidade, então recentemente fundada, Kyugo e parte da família Imai se estabeleceu, primeiramente na zona rural e depois na zona urbana. Esta cidade teve uma grande importância na história da família Yoshinaga, exatamente pelo fato de que, pela primeira vez, Kyugo se estabelecia em área urbana. Deixava a agricultura para trás e se tornava comerciante. Abriu em Presidente Venceslau, um armazém de secos em molhados, parou de perambular de cidade em cidade e se fixou ali por mais de 15 anos. Nasceram nessa cidade mais 5 filhos do casal Yoshinaga, sendo que uma filha não vingou, vindo a falecer com poucos dias de vida.  A família cresceu com a chegada de Hirose, Yoshie, Minoro e José Hissatoshi. Foi um período conturbado na história do Brasil e do mundo. Kyugo testemunhou em Presidente Venceslau, a Revolução de 1932, com tropas federais, vindas do Paraná, ocupando a cidade, e o início da 2ª Guerra Mundial. Naquela época, os japoneses só podiam andar com um salvo conduto expedido pela Polícia e não podiam mudar de cidade, a não ser com autorização do Governo. Nessa época, com seu espírito aventureiro, Kyugo já desejava se mudar para a cidade de São Paulo, porém os ecos da 2ª Guerra Mundial o obrigaram a permanecer em Presidente Venceslau. Em 1945, com o fim  da guerra, acabou também o controle que o Governo exercia sobre os imigrantes japoneses e assim a família Yoshinaga pôde finalmente se mudar para São Paulo.

Atual cidade de Presidente Venceslau - SP

6) SÃO PAULO - Em 1945, a família Yoshinaga chega a São Paulo, morando primeiramente no bairro de Vila Clementino, na Rua Dr. Bacelar, próximo ao Hospital São Paulo, que já existia, e logo depois no recém loteado bairro de Moema, na Av. Macuco. Naquela época, ainda havia em Moema, grandes canaviais e o Largo de Moema, com sua igreja, já era uma referência no bairro e o ponto final do bonde que levava até o centro da cidade, passando pela Av. Ibirapuera, subindo pela Rua Rodrigues Alves até o Largo Ana Rosa e daí se dirigindo ao centro pela rua Vergueiro e Av. Liberdade. A família Yoshinaga se transformava numa típica família urbana de classe média, na maior cidade do país. Em São Paulo, nasceu a caçula dos filhos de Kyugo e Aiko, Julia. A segunda geração da família Yoshinaga no Brasil estava completa.

7) MOGI DAS CRUZES - Na década de 50 do século 20, a família Yoshinaga se transfere para Mogi das Cruzes, acompanhando o empreendedorismo da família Imai, que instala na cidade, uma fábrica de porcelana: a "Porcelana Mogi". Em meio a bules de café e chá, xícaras, pires, leiteiras e mantegueiras, a família Yoshinaga se torna, então, industrial. Kyugo e seu filho Hirose passam a trabalhar na Porcelana Mogi, junto da família Imai. A sede da indústria ficava bem próxima do centro da cidade,  foi posteriormente, sede da Indústria NGK e atualmente a área foi doada à Prefeitura de Mogi das Cruzes , que está reurbanizando o local. Esta cidade teria também um grande importância na história da família, pois aqui nasceriam vários descendentes da 3ª geração. Ayako, a filha mais velha, já casada, permaneceu em São Paulo. Em Mogi das Cruzes, Shizuko, Hiroshi e Yoshie se casaram e permaneceram na cidade. Após o casamento de Hiroshi Yoshinaga, Kyugo e seus 3 filhos mais novos, Minoro, Satoshi e Julia voltaram para São Paulo, moraram no bairro da Liberdade e posteriormente no bairro do Ipiranga, próximo ao Monumento em homenagem á Independência do Brasil.

Aqui estava instalada a Porcelana Mogi nos anos 50

Conjunto de chá da Porcelana Mogi

Atual cidade de Mogi das Cruzes - SP

Portanto, a 3ª geração da família Yoshinaga nasceu nestas duas cidades: São Paulo e Mogi das Cruzes e boa parte da família ainda reside nestas duas cidades.
Kyugo Yoshinaga faleceu em 23 de junho de 1971 e Aiko Yoshinaga, no dia 18 de fevereiro de 1978, ambos na cidade de São Paulo. Desaparecia a 1ª geração da família Yoshinaga no Brasil, e este texto tentou mostrar de forma rápida, a trajetória deles pelo Estado de São Paulo e a importância de 3 cidades na história de minha família: PRESIDENTE VENCESLAU, MOGI DAS CRUZES e SÃO PAULO.